Entrevista e texto: Jesse James dos Santos
Produção e revisão: Patrícia de Morais Lima
Francisco José Moreira, nascido em 28 de julho de 1928, hoje com 95 anos, relembrou ao historiador Jesse James dos Santos, sua trajetória de vida.
Filho de Francisco José Moreira e Dona Maria Moreira. Seu pai tinha um sítio próximo de Salto de Pirapora. Enquanto sua mãe se dividia nos cuidados da casa e dos filhos, seus irmãos mais velhos ajudavam o pai na roça. Cansados da difícil vida que levavam, a família se mudou para a Rua Moreira César, em Sorocaba, e, neste local, Seu Chico nasceu. Com apenas 2 meses de vida, perdeu seu pai, assim só o conhecendo por fotos, enquanto sua mãe fugia das fotografias, o deixando somente com a imagem dela na memória.
Seus irmãos mais velhos, Olegário e Pedro, faleceram cedo e solteiros e suas irmãs, Antônia, Benedita, Jorgina e Eufrosina, casaram e tiveram filhos. Seu Chico ainda criança brincava na rua jogando bola e rodando pião em frente à casa daquela família humilde sem muitas condições para outros divertimentos, um dos motivos para ele ter estudado até a 3ª série e ter que começar a trabalhar bem cedo.
Na juventude, Seu Chico trabalhava em um açougue perto da casa de sua futura esposa, que morava próximo ao colégio Salesiano. Como ele sabia que ela passava sempre no mesmo horário para ir e voltar do trabalho em uma indústria próxima, ele ficava diariamente à espera de sua paquera.
Seu Chico se casou com o seu amor de paquera em Sorocaba, Dona Célia Aleixo Moreira, e não tiveram filhos. Ele começou a trabalhar na Fábrica Votocel como auxiliar de produção, por indicação de um amigo, e vinha todos os dias para Votorantim de bondinho até a fábrica, embarcando na Paula Souza, em Sorocaba, até que um dia soube da venda de terrenos em Votorantim próximo à Pedreira dos Mendes, no bairro Jardim Paraíso. No começo, a casa era bem simples e, depois, ele a reformou deixando uma casa bonita próximo da bica e do Icatu, ao lado da pedreira.
Mas o destino preparava uma mudança brusca em sua vida, o dispensaram da fábrica Votocel e teve que se virar como podia. Primeiro montando um bar no bairro ao qual não deu muito certo e depois assumindo o bar do ADC Votocel, de onde pôde assistir todos aqueles memoráveis jogos do time de futsal do Votocel com Ize, Verdinho, seu afilhado Eliseu Sentelhas, entre outros. Ele comentou que chegou a enjoar de tanto assistir.
A sua desenvoltura deve-se à sua participação na JOC - Juventude Operária Católica, e podemos ver esta liderança exercida através de parte de uma nota na Folha Popular de 26 de novembro de 1957, que teve destaque em sua capa a matéria: “Alcançou pleno êxito a Peregrinação Mundial Jocista”.
O então operário jocista de Sorocaba, Francisco José Moreira, o nosso querido Seu Chico, regressou de Roma, na Itália, com a sua participação na peregrinação de estudos, abordando os problemas mais presentes da situação daquela época com a juventude trabalhadora brasileira. A dificuldade no intercâmbio com outros jocistas do mundo era a barreira linguística, mas, mesmo assim, foi boa a troca de experiências vividas, de flâmulas e distintivos. A via sacra era dirigida pelo monsenhor Cardijn, que a cada estação era lida uma meditação em língua diferente, finalizando com o Credo. No dia 25 de agosto participaram da missa na parte de fora da Basílica realizada pelo Santo Padre Pio XII, dizendo em seu discurso: “Não vos limites apenas a chorar por vossos irmãos, mas ide ao encontro deles”.
Ele teve problemas na ditadura, que perseguia pessoas do movimento operário católico, assim como seu amigo Aldo Vannucchi. Seu Chico, devido às perseguições e prisões, teve que ficar meio escondido por um tempo. Mas nem tudo foi tristeza, ele também fazia excursões com jovens da JOC para o Rio de Janeiro com o intuito de levá-los para uma vida religiosa. Muitos jovens viajaram com ele, inclusive os Massaglia, pois tinha muita amizade com o Adolfo Massaglia que, naquela época, era gerente da Fábrica Votocel.
Em suas horas vagas, Seu Chico gostava de bailes, indo ao ginásio do Votocel com a esposa e, como ele dizia, “ela empatava comigo” na dança.
Certo dia, ficou sabendo da possibilidade de ter uma cantina na recém-construída Escola Estadual Daniel Verano e, como ele já tinha experiência trabalhando neste segmento, entrou em uma concorrência para assumir a Cantina. No começo, foi um desafio, pois as crianças não tinham costume de comprar lanches na escola, demorou um pouco para os pais darem dinheiro para usarem na cantina. O produto mais vendido era o enroladinho de salsicha e de presunto e queijo. Também tinha esfirra e coxinha. Ele próprio fazia com muito gosto, entrando 6 horas da manhã e deixando tudo pronto até a hora do intervalo. Um detalhe vale lembrar que, quando foi regularizada a abertura da cantina na Prefeitura de Votorantim não existia a descrição de cantina, sendo esta da Escola Daniel Verano a primeira na cidade com esta regularização.
Durante a entrevista, o período vivido na escola foi a que nos trouxe mais saudades, lembrei dele com seu jalequinho e bonezinho brancos, dele indo ou voltando da escola para casa andando muito rápido e eu até tentava acompanhá-lo, pois morávamos perto, mas não era possível seguir ao lado daquele homem sorridente. Comentei com ele de outra lembrança, a de um senhor que vendia carambolas em frente à escola. Seu Chico rindo falou: “Ah… o homem da carambola! Quando era época de carambola ele dizia para a criançada, comprem carambola de mim! Não comprem o salgadinho do Seu Chico! E a criançada vinha contar para mim. E no fim compravam a carambola também. Só que o período de carambola passava e todos voltavam a comprar só os meus salgadinhos”.
A cantina era o seu ganha pão e teve pessoas que o ajudaram, como os irmãos Nilton e Eduardinho, que faziam o atendimento no caixa e no balcão e eram rígidos com as crianças que aprontavam.
Falando em aprontar, as crianças do Daniel Verano eram terríveis. No começo, as fichas da cantina eram de papel e muitos tentaram adulterar, até que Seu Chico teve a ideia de ir em São Paulo na loja AZ de Ouro encomendar as fichas em acrílico, feitas no capricho, tanto que teve algumas meninas que furaram para colocar no pescoço como colar. Hoje é uma lembrança feliz, acho que muitos alunos gostariam de ter para guardar de recordação.
Um dia Seu Chico foi para Aparecida “do Norte”, ele subiu na torre e deixou duas fichas de sua cantina para agradecer todas as bênçãos que teve. Na escola Daniel Verano, ele conheceu muitos professores que ainda marcam nossas lembranças, como Adoraci Scudeler Violino, Valdomiro Miranda, Nair da Silveira e o Campineiro.
Outras lembranças que ele tem aos seus 95 anos são da história da loira do banheiro, que muitos o chamavam para olhar dentro do banheiro com medo. Também teve o dia em que o Governador do Estado estava na escola, e ao olhar no fundo do corredor vinha andando o Dr. Lauro Natel, que veio e tomou um cafezinho na cantina, e que foi ele que enviou o recurso para construção da Escola Daniel Verano. Teve o dia que uma aluna chegou no balcão carregando um bebê e disse “Seu Chico pegue para o senhor, você e sua esposa não tiveram filhos, então fique para vocês!”, ele recusou dizendo que não era assim que eles queriam ter um filho, que as coisas não poderiam acontecer daquela maneira.
Eu mesmo, quando fui estudar na escola, tive a seguinte orientação de minha avó Isaura, que havia trabalhado com o Seu Chico no Verano: “Olha… se algum moleque quiser brigar com você, vai lá e fale para o Seu Chico” ao dizer isso a ele, novamente riu dizendo que teve vários casos assim.
Ele sente saudades da época do Verano. Contou que uma vez estava num ônibus e a criançada de uma escola entrou gritando e fazendo aquela algazarra, pessoas no ônibus reclamaram daquele barulhão da molecada e ele falou: “vocês não gostam? eu já sou o contrário, eu gosto! Era um prazer ver a criançada fazer aquele barulhão… “aquilo era vida”.
Após o falecimento de sua esposa, foi morar na casa do filho de sua sobrinha, o Francisquinho, e abre o sorriso quando a sua enfermeira vem conversar com ele com o sotaque alagoano. É um são paulino roxo e, mesmo assim, foi amigo do grande goleiro do Palmeiras, Oberdan Cattani. Pouco antes do final desta entrevista, passou um ônibus em frente à sua casa buzinando e fiquei sabendo que essa buzina é frequente, mostrando o tanto de carinho que Seu Chico recebe. Aliás, vale reforçar que ele não teve filhos com sua esposa, mas ele tem uma legião de “filhos” saudosos de seu sorriso largo e o coração bondoso, e de seus enroladinhos saborosos.
Ele deixou um recado final falando com os olhos marejados foi: “Um abraço para todos que se lembram de mim!” E finalizou dizendo: “Fiquei contente em ver você”.
Gostaria de deixar os créditos ao Eduardo e à Sueli Delgado, que foram responsáveis por esta entrevista acontecer através de seu filho Fabiano.